O Programa Previne Brasil e o Financiamento da Atenção Primária à Saúde

Postado em 05/maio/2021

Conforme a Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017, a Atenção Básica (AB) é compreendida como (BRASIL, 2017):

[…] o conjunto de ações de saúde individuais, familiares e coletivas que envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde, desenvolvida por meio de práticas de cuidado integrado e gestão qualificada, realizada com equipe multiprofissional e dirigida à população em território definido, sobre as quais as equipes assumem responsabilidade sanitária.

Considerada como a principal porta de entrada e centro de comunicação da Rede de Atenção à Saúde (RAS), percebe-se o quão complexa, ampla e importante ela é para a manutenção da saúde de toda a população brasileira.

Para que as ações da Atenção Básica e de todas as demais ações que o Sistema Único de Saúde compreende, é necessário que o governo garanta um financiamento justo, dentro das suas possibilidades. Diante disso, é necessária a compreensão acerca das diretrizes implementadas por meio do O Programa Previne Brasil, o mais recente modelo de financiamento da Atenção Primária à Saúde (APS) instituído pela Portaria nº 2.979, de 12 de novembro de 2019.

O novo modelo de financiamento misto estabelecido por este programa visa o aumento do acesso aos serviços de Atenção Primária e do vínculo entre a população e as equipes de saúde enfatizando uma maior responsabilidade por parte de gestores e profissionais de saúde. Para o alcance dos propósitos mencionados, é de suma importância que que gestores que atuam na área da saúde pública tenham total consciência, tanto de seu funcionamento, quanto de toda a lógica associada à sua concepção.

Muitos são os aspectos considerados para a instituição do programa Previne Brasil, são eles:

⦁ A necessidade de ampliação do acesso da população aos serviços de Atenção Primária à Saúde a fim de garantir a universalidade do SUS;

⦁ A necessidade de implantação de ações estratégicas que atendam às necessidades e prioridades em saúde nas dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica e espacial, entre outras;

⦁ O reconhecimento da Estratégia Saúde da Família como orientadora da Atenção Primária à Saúde e ordenadora das Redes de Atenção à Saúde no país;

⦁ A importância da territorialização e da adscrição das pessoas aos serviços da Atenção Primária à Saúde e o desenvolvimento de vínculo e responsabilização entre equipe e população assistida;

⦁ A necessidade de ampliação da capacidade instalada e abrangência da oferta dos serviços da Atenção Primária à Saúde com atuação de equipes multiprofissionais;

⦁ Os atributos essenciais e derivados da Atenção Primária à Saúde, que são: acesso de primeiro contato, longitudinalidade, coordenação, integralidade, orientação familiar, orientação comunitária e competência cultural;

⦁ A necessidade da valorização do desempenho das equipes e serviços de Atenção Primária à Saúde para o alcance de resultados em saúde;

⦁ A necessidade de revisar equitativamente a forma de financiamento federal de custeio referente à Atenção Primária à Saúde.

Destaca-se que todos os aspectos apresentados se associam fortemente aos princípios doutrinários (Universalidade, Integralidade e Equidade nos serviços e ações de saúde) e organizativos (Descentralização, Regionalização, Hierarquização e Participação social) do SUS.

Diante de tantas necessidades e particularidades associadas ao fornecimento dos serviços públicos de saúde, identificou-se a necessidade de uma modificação no modo como as transferências de recursos são feitas para estados e, no caso dos serviços da Atenção Básica, para municípios. A figura a seguir sintetiza as principais alterações nas diretrizes relacionadas a esses repasses advindas da implementação do Previne Brasil:

Figura 1. Diferenças na estrutura orçamentária considerando os anos de 2019 e 2020

Fonte: Adaptado de COSEMS-RJ (2020).

Conforme exposto pela Figura 1, nota-se que, as formas de repasse das transferências para os municípios nesse modelo são definidas a partir de três componentes: Capitação Ponderada, Pagamento por Desempenho e Incentivo a ações estratégicas.

A Capitação ponderada consiste em um repasse calculado com base no número de pessoas cadastradas e sob responsabilidade das equipes de Saúde da Família (eSF) ou equipes de Atenção Primária (eAP) credenciadas. Ela considera fatores de ajuste como a vulnerabilidade socioeconômica, o perfil de idade e a classificação geográfica (rural-urbana) do município, compreendendo, desta forma, o conceito de “ponderação”.

Com um intuito de promover o alcance dos propósitos estabelecidos pelo componente de capitação ponderada, foi estabelecida pela Portaria nº 3.263, de 11 de dezembro de 2019 a estratégia “Cadastre Já!”, que consiste em um incentivo financeiro de custeio federal para implementação e fortalecimento das ações de cadastramento dos usuários do SUS, no âmbito da APS. Esse incentivo destinado aos municípios teve como finalidade:

I – Estimular estratégias para a realização e atualização, pelo município e pelo Distrito Federal, do cadastro dos usuários no SISAB, visando a ampliação do acesso da população aos serviços da APS;

II – Fomentar o aperfeiçoamento dos processos de trabalho das Unidades de Saúde da Família, com vistas a oportunizar a realização do cadastro dos usuários durante sua permanência no serviço;

III – Apoiar a divulgação de informações à população por meio de mídias sociais, veículos de comunicação e impressos sobre a necessidade, importância e incentivo da realização do cadastro dos usuários no âmbito da APS.

Já no caso do componente de Pagamento por desempenho, considera-se os resultados de indicadores alcançados pelas equipes credenciadas e cadastradas no SCNES. Para o ano de 2020, foi publicado, por meio da Portaria Nº 3.222, de 10 de dezembro de 2019, um total de sete indicadores, os quais abrangem as ações estratégicas de Saúde da Mulher, Pré-Natal, Saúde da Criança e Doenças Crônicas (Hipertensão Arterial e Diabetes Melittus). A Figura 2, apresentada a seguir, ilustra os sete indicadores que permanecem sendo considerados para o pagamento relacionado a esse componente atualmente:

Figura 2. Indicadores Previne Brasil 2020/2021

Fonte: Adaptado de Ministério da Saúde (2020)

Por fim, no caso do Incentivo a ações estratégicas, os municípios que aderirem a projetos específicos do Governo Federal receberão mais recursos financeiros de custeio condicionados às regras das ações, aos programas e às estratégias do Ministério da Saúde, conforme disposto no art. 12-G da Portaria de Consolidação Nº 6, de 28 de setembro de 2017. Abaixo são listados as ações, os programas e as estratégias contemplados por esse incentivo, de acordo com a Portaria de Consolidação Nº 6, de 28 de setembro de 2017:

I – Programa Saúde na Hora;
II- Equipe de Saúde Bucal (eSB);
III – Unidade Odontológica Móvel (UOM);
IV – Centro de Especialidades Odontológicas (CEO);
V – Laboratório Regional de Prótese Dentária (LRPD);
VI – Equipe de Consultório na Rua (eCR);
VII – Unidade Básica de Saúde Fluvial (UBSF);
VIII – Equipe de Saúde da Família Ribeirinha (eSFR);
IX – Microscopista;
X – Equipe de Atenção Básica Prisional (eABP);
XI – Custeio para o ente federativo responsável pela gestão das ações de Atenção
Integral à Saúde dos Adolescentes em Situação de Privação de Liberdade;
XII – Programa Saúde na Escola (PSE);
XIII – Programa Academia da Saúde;
XIV- Programas de apoio à informatização da APS;
XV – Incentivo aos municípios com residência médica e multiprofissional;
XVI – Estratégia de Agentes Comunitários de Saúde (ACS); e
XVII – Outros que venham a ser instituídos por meio de ato normativo específico. (Ministério da Saúde. Redação dada pela Portaria nº 2.979/GM/MS/2019).

Mesmo com as modificações trazidas pela implementação do Programa Previne Brasil, é importante salientar que as transferências continuam acontecendo entre os fundos Nacional, Estadual E Municipal de saúde. Sendo que aquelas provenientes das diretrizes estabelecidas pelo programa são enviadas do Fundo Nacional de Saúde (FNS) para os Fundos Municipais de Saúde (FMS) e enviadas para dois diferentes blocos: o Bloco de Manutenção das Ações e Serviços Públicos de Saúde que recebe recursos para as despesas fixas e todos os insumos necessários para o funcionamento das unidades de saúde e para o Bloco de Estruturação da Rede de Serviços de Saúde que recebe recursos para a compra de equipamentos e execução de obras de estruturas ligadas à operacionalização dos serviços públicos de saúde.

A implementação de novas diretrizes para a arrecadação de recursos para os serviços da Atenção Básica implica em uma maior responsabilidade por parte dos gestores municipais e profissionais de saúde, implicando em novos desafios relacionados ao planejamento de suas ações. Com isso, a efetividade dos processos de Monitoramento e Avaliação conduzidos por gestores municipais são fundamentais à garantia dos repasses financeiros para a Atenção Básica. Nesse contexto, a utilização de dados fornecidos pelos sistemas de informação do SUS representam ferramentas essências para o processo de tomada de decisão e condução de atividades corretivas.

Um outro fator preponderante para o sucesso na arrecadação de recursos públicos via Previne Brasil consiste na sinergia entre as esquipes de gestão e profissionais de saúde, bem como uma mobilização de toda a população dos municípios para uma participação mais ativa nos processos relacionados ao cadastramento e demais serviços públicos de saúde.

 

Referências:

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. A educação permanente entra na roda: polos de educação permanente em saúde: conceitos e caminhos a percorrer. Brasília: Ministério da Saúde, 2005. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/educacao_permanente_entra_na_roda.pdf. Acesso em: 15 mar. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Coordenação Geral de Informações e Análise Epidemiológica. Portaria de Consolidação Nº 6, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre o financiamento e a transferência dos recursos federais para as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2017. Disponível em: http://svs.aids.gov.br/dantps/cgiae/vigilancia-do-obito/servico-verificacaoobito/portaria-consolidacao-6-28092017.pdf. Acesso em: 15 mar. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Previne Brasil. FAQ do Novo Modelo de Financiamento de Custeio da Atenção Primária à Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: https://www.conasems.org.br/wp-content/uploads/2019/11/FAQ_NovoFinanciamento.pdf. Acesso em: 13 mar. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria Nº 930, de 15 de maio de 2019. Institui o Programa “Saúde na Hora”. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n%C2%BA-930-de-15-de-maio-de-2019-104562211. Acesso em: 16 mar. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria Nº 2.979 de 12 de novembro de 2019. Institui o Programa Previne Brasil, que estabelece novo modelo de financiamento de custeio da Atenção Primária à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, por meio da alteração da Portaria de Consolidação nº 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.979-de-12-de-novembro-de-2019-227652180. Acesso em: 14 mar. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria Nº 2.983, de 11 de novembro de 2019. Institui o Programa de Apoio à Informatização e Qualificação dos Dados da Atenção Primária à Saúde – Informatiza APS. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.983-de-11-de-novembrode-2019-227652196. Acesso em: 13 mar. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria Nº 3.222, de 10 de dezembro de 2019. Dispõe sobre os indicadores do pagamento por desempenho, no âmbito do Programa Previne Brasil. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-3.222-de-10-de-dezembro-de-2019-232670481. Acesso em: 14 mar. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria Nº 3.263, de 11 de dezembro de 2019. Estabelece o incentivo financeiro de custeio federal para implementação e fortalecimento das ações de cadastramento dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS). Brasília: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-3.263-de-11-dedezembro-de-2019-232941846. Acesso em: 15 mar. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria Nº 3.510, de 18 de dezembro de 2019. Altera a Portaria de Consolidação nº 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para instituir incentivo financeiro de custeio adicional mensal para municípios com equipes de saúde integradas a programas de formação profissional no âmbito da Atenção Primária à Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-3.510-de-18-de-dezembrode-2019-234334325. Acesso em: 14 mar. 2021.

Autora: Lívia Aladim Matosinhos